quarta-feira, 22 de maio de 2013

Podre por dentro: Ivan o Terrivel


Entre o inferno e a boa mesa

Ao contrário dos demais príncipes europeus ocidentais, seus contemporâneos, fascinados pelos relatos sobre o Paraíso, Ivan era obcecado pelas imagens pelo Inferno, pela danação das almas, pelos horrores que as aguardavam no Reino de Lúcifer. A leitura mais aprofundada dele era a da Bíblia, de onde extraiu a convicção do poder resultar da vontade divina, a qual ninguém poderia opor obstáculos sem arcar com punições severíssimas. O czar sentia-se bem em meio à liturgia bárbara da igreja ortodoxa, com seus altares coalhados de velas acesas e incensos enfumaçados expelidos das caçoulas. Mas também não desprezava a boa mesa, ao contrário, era um hedonista. Os banquetes que Ivan oferecia, tanto no Kremlin como em Alexandra Sloboda, eram apreciadíssimos. Os convidados estrangeiros espantavam-se com o luxo asiático da corte, com o esbanjamento da comida servida em enormes travessas de ouro maciço, e com as taças com jóias incrustadas, servidas por um exército de incansáveis fâmulos. O próprio Ivan, em faustosos trajes orientais, bordados com fios de ouro, tendo rubis, esmeraldas e diamantes como botões, costumava trocar ainda assim três vezes a sua coroa durante essas recepções à mesa.


Um monstro gótico: 

nem o gosto pela missa, nem o prazer pela mesa, evitavam que, depois de despachados os hóspedes e demais convidados, Ivan descesse às masmorras (geralmente embriagado), para extasiar-se com o sofrimento infligido aos presos nas câmaras de tortura.
Ele estava longe de ser um príncipe renascentista. Nem o humanismo nem o passado clássico da cultura grega o interessavam. Pode-se dizer que seu universo mental circulava ao redor da Bíblia, dos Evangelhos, quase sempre envolto em seus temores ao sobrenatural, acreditando em magos e feiticeiros, e limitado pelos muros da fortalezas em que se abrigava, dos mosteiros que visitava, e das igrejas que freqüentava. De certo modo ele pode ser classificado como um monstro gótico, medieval, uma gárgula num corpo humano aplacando com sangue seus medos mais profundos.

O Reino do terror:

para executar seu grande plano de vingança contra os boiardos e todos os que ousaram desafiá-lo no passado, Ivan concebeu uma organização paramilitar: os oprichniki. Formavam eles uma irmandade criminosa, disfarçada de ordem religiosa, tendo em Ivan uma espécie de abade-chefe. Os alistados, em sua maioria, originavam-se da pequena nobreza provinciana que, servindo caninamente ao czar, viam um modo de ganhar terras e fazer prosperar suas famílias. Vestiam-se todos de negro como numa ordem monacal, inclusive o czar, e tinham amarrados nas selas dos seus cavalos, pendentes, cabeças de cães decepadas para mostrar a todos a sua determinação assassina. Eram uma tropa de elite, o equivalente russo-tártaro da guarda pretoriana dos imperadores romanos.

O próprio Ivan preparava as listas das pessoas a serem presas, torturadas e executadas. Jogou os oprichniki com furor implacável sobre suas vítimas, não poupando os anciãos, as mulheres, nem as crianças. Prisões em massa era intercaladas com assassinatos seletivos dos membros da alta nobre e do alto clero. Muitas deles eram conduzidos para Alexandra Sloboda, onde eram supliciados nos porões da fortaleza. Ivan, muitas vezes, supervisionava as flagelações e as mutilações, não se importando quando o sangue dos atormentados respingava no seu rosto.
O Czar russo, sofria de uma doença na qual seus
orgãos apodreciam por dentro, além do fato de sofrer
de transtorno bipolar, a vida de Ivan foi quase tão
terrivel quanto o próprio 


O fim de Ivan, o Terrível: :

A violência que cercava o mundo de Ivan não podia deixar de fazer vítimas entre a sua própria família e pela própria mão do czar. Em novembro de 1581, diz-se que num acidente, quanto estava em pleno acesso de fúria, Ivan matou um dos seus filhos com um golpe de atiçador na cabeça do jovem, também chamado de Ivan. Quando o czar morreu em 18 de março de 1584, com 53 anos, ouve um suspiro geral de alívio no país inteiro. Os súditos do czar pelo menos podiam voltar a dormir sem ter que preocupar-se em serem despertados no meio da noite pelos mensageiros da morte de Ivan, ou terem que suportar o nauseante cheiro dos cadáveres putrefatos, trazido pelo vento que vinha do Rio Moskva, pois o czar impedia que enterrassem depois das execuções coletivas ordenadas por ele. Mas em outros setores o vazio da sua morte provocou temores e sensação de desamparo, como neste canto entoado pelo metropolita e seu séquito no leito de morte do czar:

Onde está a cidade de Jerusalém?
Onde está a madeira da Cruz doadora da vida?
Onde está nosso Senhor Czar, o Grão-Príncipe Ivan Vassilevitch de toda a Rússia?
Por que deixaste teu Czarado Russo e teus nobres filhos e nos deixastes órfãos a todos nós?

O único filho de que restou dos sete casamentos do czar, o czarevitch Dmitri não durou muito, aparecendo morto em 1591, aos 9 anos de idade. As suspeita-se recaíram sobre o genro de Ivan, Boris Godunov, que entronou-se como czar em 1598. Com a morte do menino herdeiro encerrou-se a linhagem dos Riurikid. Porém a desconfiança lançada sobre a legitimidade do Czarado de Boris Godunov fez com que vários pretendentes se alçassem com ambições ao trono, fazendo com que a Rússia passasse pelo chamado Tempo dos Tumultos (smutnoe vremia), que estendeu-se por quinze anos, de 1598 até a ascensão do primeiro Romanov, o príncipe Miguel Fedorovitch, em 1613.

Ivan, o terrivel