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sexta-feira, 7 de março de 2014

A verdadeira história do massacre de Columbine


Eles não eram góticos ou solitários.



Os dois adolescentes que mataram 13 pessoas e a si mesmos no suburbano colégio Columbine de Denver, há mais de 10 anos, não faziam parte da “Máfia do Sobretudo”, não eram jogadores de videogame desafeiçoados que vestiam casacos de caubói. O massacre provocou um debate nacional sobre intimidação, mas agora foi mostrado que Eric Harris e Dylan Klebold não foram intimidados -na verdade, eles se gabavam nos diários de intimidarem calouros e “viados”.


O ataque deles colocou as escolas em alerta às “listas de inimigos” feitas por estudantes perturbados, mas os inimigos na lista deles tinham se formado em Columbine um ano antes. Diferente dos primeiros relatos, Harris e Klebold não estavam tomando antidepressivos e não visaram atletas, negros ou cristãos, diz agora a polícia, citando os diários dos assassinos e relatos das testemunhas. Aquela história sobre uma estudante sendo baleada na cabeça após dizer que acreditava em Deus? Nunca aconteceu, diz agora o FBI.


Uma década após Harris e Klebold terem transformado Columbine em sinônimo de raiva, novas informações -incluindo vários livros que analisam a tragédia por meio de diários, e-mails, agendas, fitas de vídeo, relatórios policiais e entrevistas com testemunhas, amigos e sobreviventes- indicam que grande parte do que foi dito ao público sobre o massacre está errado.

Na verdade, o ataque suicida da dupla foi planejado como um grande atentado terrorista a bomba -apesar de mal executado- que rapidamente se transformou em um tiroteio de 49 minutos quando as bombas fabricadas por Harris falharam.

“A fiação das bombas que ele fez era tão ruim que, aparentemente, nunca estiveram nem próximas de funcionar”, disse Dave Cullen, autor de “Columbine”, um novo relato sobre o ataque.

Então, quem eles esperavam matar?

Todo mundo -inclusive os amigos.

O que restou, após a remoção de uma década de mitos, talvez seja mais reconfortante do que a narrativa “bons garotos intimidados até retaliarem” -ou talvez não.

É um retrato de Harris e Klebold como uma espécie de dupla criminosa de “A Sangue Frio” -uma dupla profundamente perturbada, suicida, que por mais de um ano incitava um ao outro a realizar um atentado terrorista ao estilo de Oklahoma, uma fantasia de vingança extravagante, apolítica, contra anos de desdém, desfeitas e crueldades, reais e imaginadas.

Ao longo do caminho, eles economizaram dinheiro de empregos após a escola, frequentaram aulas de Advanced Placement (cursos de nível universitário), reuniram um pequeno arsenal e enganaram todos -amigos, pais, professores, psicólogos, policiais e juízes.

“Não eram garotos comuns que foram importunados até retaliarem”, escreveu o psicólogo Peter Langman em seu novo livro, “Why Kids Kill: Inside the Minds of School Shooters”. “Não eram garotos comuns que jogaram videogame demais. Não eram garotos comuns que apenas queriam ser famosos. Eles simplesmente ‘não eram garotos comuns’. Eram garotos com problemas psicológicos sérios.”

Enganando os adultos


Harris, que concebeu os ataques, era mais do que apenas perturbado. Ele era, dizem agora os psicólogos, um psicopata predador, de sangue frio -um mentiroso inteligente e charmoso com “um ridiculamente grande complexo de superioridade, repulsa por autoridade e uma enorme necessidade por controle”, como escreveu Cullen.


Harris, um aluno do último ano, lia vorazmente e conseguia boas notas quando queria, agradando seus professores com uma prosa deslumbrante -e então escrevendo em seu diário sobre matar milhares.

“Eu me referia a ele como o Eddie Haskel do colégio Columbine”, disse o diretor Frank DeAngelis, se referindo ao adolescente enganadoramente educado da série dos anos 50 e 60 “Leave it to Beaver”. “Ele era o tipo de garoto que, quando estava diante dos adultos, dizia o que você queria ouvir.” Quando não estava, ele misturava napalm na cozinha.

egundo Cullen, um dos últimos textos escritos no diário de Harris dizia: “Eu odeio vocês por me deixarem de fora de tantas coisas divertidas. E não diga, ‘Ora, é culpa sua’, porque não é, vocês tinham meu telefone, e eu pedi e tudo mais, mas não. Não, não, não deixem aquele estranho do Eric vir junto”.

Enquanto caminhava para a escola na manhã de 20 de abril, Harris vestia uma camiseta que dizia “Seleção Natural”.

Klebold, por outro lado, era ansioso e apaixonado, resumindo sua vida a certa altura em seu diário como “a existência mais miserável na história do tempo”, como notou Langman.

Harris desenhava suásticas em seu diário; Klebold desenhava corações.

Com base no conteúdo de seus diários, o contraste entre os dois era grande.

Harris parecia se sentir superior a todos -ele escreveu certa vez: “Eu me sinto como Deus e gostaria que fosse, para que todos estivessem OFICIALMENTE abaixo de mim”- enquanto Klebold era um depressivo suicida que ficava cada vez mais furioso. “Eu sou um deus, um deus da tristeza”, ele escreveu em setembro de 1997, por volta de seu 16º aniversário.

Klebold também era paranoico. “Eu sempre fui odiado, por todos e tudo”, ele escreveu.

No dia dos ataques, sua camiseta dizia: “Ira”.

Surge um perfil dos atiradores


Columbine não foi a primeira escola onde ocorreu um massacre. Mas na época foi o pior e o primeiro a se desenrolar em grande parte ao vivo pela televisão.

O Serviço Secreto dos Estados Unidos e o Departamento de Educação americano logo começaram a estudar os atiradores em escolas. Em 2002, os pesquisadores apresentaram seus primeiros resultados: os atiradores em escolas, eles disseram, não apresentavam um perfil definido, mas a maioria deles era depressivo e se sentia perseguido.


A socióloga de Princeton, Katherine Newman, co-autora do livro de 2004, “Rampage: The Social Roots of School Shootings”, disse que jovens como Harris e Klebold não eram solitários -eles apenas não eram aceitos pelos garotos que importavam. “Obter atenção ao se tornar notório é melhor do que ser um fracasso.”

O Serviço Secreto descobriu que os atiradores geralmente contavam seus planos para outros garotos.

“Outros estudantes frequentemente até mesmo os incitavam”, disse Newman, que liderou um estudo encomendado pelo Congresso sobre os tiroteios em escolas. “Eles então assumem esse compromisso. Não é um surto repentino.”

Langman, cujo livro traça o perfil de 10 atiradores, incluindo Harris e Klebold, descobriu que nove sofriam de depressão e pensamentos suicidas, uma combinação “potencialmente perigosa”, ele disse. “É difícil impedir um assassinato quando os assassinos não se importam em viver ou morrer. É como tentar deter um homem-bomba.”

Na época, Columbine se tornou uma espécie de teste de Rorschach nacional gigante. Os observadores viam sua gênese em quase tudo: pais frouxos, leis frouxas de armas, educação progressista, cultura escolar repressiva, videogames violentos, medicamentos antidepressivos e rock and roll, para começar.

Muitos dos mitos de Columbine surgiram antes do término do massacre, à medida que rumores, mal-entendidos e pensamentos desejosos rodopiavam em uma câmera de eco entre as testemunhas, sobreviventes, autoridades e a imprensa.

A polícia contribuiu com a confusão ao falar aos jornalistas antes de conhecer os fatos -uma coletiva de imprensa convocada às pressas pelo xerife do condado de Jefferson naquela tarde produziu a primeira manchete: “25 mortos no Colorado”.

Algumas inverdades levaram horas para serem corrigidas, mas outras levaram semanas ou meses -às vezes anos- enquanto as autoridades promoviam relutantemente as correções.

O ex-repórter do “Rocky Mountain News”, Jeff Kass, autor de um novo livro, “Columbine: A True Crime Story”, disse que a polícia fez um jogo de charadas.

Em um caso, as autoridades do condado levaram cinco anos apenas para reconhecer que tinham se reunido em segredo após os ataques para discutir um depoimento juramentado de 1998 para um mandado de busca na casa de Harris -resultado de uma queixa feita contra ele pela mãe de um ex-amigo. Harris ameaçou o filho dela em seu site na internet e se gabava de que vinha fabricando bombas.

A polícia já tinha encontrado uma pequena bomba igual à descrita por Harris perto de sua casa -mas os investigadores nunca encaminharam a queixa a um juiz.

Ela também aparentemente não sabia que Harris e Klebold estavam sob condicional após terem sido presos em janeiro de 1998 por terem arrombado uma van e roubado equipamento eletrônico.

A busca finalmente ocorreu, mas apenas após o massacre.

Planejamento meticuloso


O que agora não se contesta -em grande parte devido aos diários dos assassinos, que foram divulgados nos últimos anos, é isto: Harris e Klebold mataram 13 pessoas e feriram 24, mas esperavam matar milhares.

A dupla planejou os ataques por mais de um ano, fabricando 100 bombas e persuadindo amigos a comprarem armas para eles. Após as 11 horas da manhã de 20 de abril, eles colocaram duas sacolas contendo bombas de tanque de propano no café lotado de Columbine e na cozinha, então se afastaram e esperaram.


Caso as bombas tivessem explodido, eles teriam matado virtualmente todos que estavam almoçando e teriam derrubado a biblioteca do segundo andar sobre o café, disse a polícia. Armados com uma pistola, um rifle e duas espingardas com cano serrado, a dupla planejava matar os sobreviventes que fugissem da carnificina.

Como um último ato terrorista, duas bombas de gasolina plantadas no Honda de Harris e no BMW de Klebold foram armadas aparentemente para matar os policiais, equipes de resgate, jornalistas e pais que corressem para a escola -quando a dupla já esperava estar morta.

A dupla estacionou os carros com uma distância de cerca de 100 metros entre eles no estacionamento dos estudantes. As bombas não dispararam.

Procurando respostas em casa


Desde 1999, muitas pessoas têm procurado os pais dos garotos em busca de respostas, mas uma transcrição do depoimento de 2003 aos pais das vítimas, ordenado pelo tribunal, permanece lacrado até 2027.

Os Klebolds falaram ao colunista David Brooks do “New York Times” em 2004, deixando a Brooks a impressão de ser “um casal bem educado, reflexivo, altamente inteligente”, que passava bastante tempo com o filho. Eles disseram que não tinham ideia do estado mental de Dylan e lamentavam não terem percebido que era suicida.

Os pais poderiam ter impedido o massacre? O agente especial do FBI encarregado da investigação disse ter “a maior compaixão” pelas famílias Harris e Klebold.

“Eles foram vilificados sem informação”, disse o agente especial aposentado Dwayne Fuselier para Cullen.

Cullen, que passou grande parte da última década estudando as evidências, também sente compaixão.

Ele notou que os pais de Harris “sabiam que tinham um problema -e achavam que estavam lidando com ele. Que tipo de pai vai pensar: ‘Bem, talvez Eric seja um assassino em massa’. Isso não acontece”.

Ele estudou atentamente os diários dos garotos apenas nos últimos dois anos. Entre as revelações: Eric Harris estava financiando o que poderia muito bem ser o maior ataque terrorista doméstico em solo americano com o salário de um emprego de meio expediente em uma pizzaria.

“Uma das coisas assustadoras é que o dinheiro foi um dos fatores limitantes aqui”, disse Cullen.

Caso Harris, na época com 18 anos, tivesse adiado os ataques em alguns anos e obtido um emprego melhor remunerado, ele disse, “ele poderia ser muito mais parecido com Tim McVeigh”, preparando bombas com fertilizante como as usadas em Oklahoma City em 1995. O fato de Harris ter executado o ataque quando o fez, ele disse, provavelmente salvou centenas de vidas.

“Seu salário limitado provavelmente limitou o número de pessoas mortas.”

* Marilyn Elias contribuiu com reportagem

Tradução: George El Khouri Andolfato