quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Movimento Pela Restauração dos Dez Mandamentos de Deus


Inferno na igreja

Centenas de fiéis morrem carbonizados na sede de uma seita que esperava o fim do mundo seitas apocalípticas são uma praga que espalha drama e tragédia por onde passa. Elas seduzem gente nas mais diferentes regiões do planeta, independentemente de cultura, ideologia ou condição sócio-econômica. Países tão contrastantes como Suíça e Guiana ou Estados Unidos e Vietnã já viveram a trágica experiência de ver fiéis ser levados ao suicídio coletivo por igrejas que pregavam a iminência do fim do mundo. Agora foi a vez de Uganda, uma das mais pobres nações do continente africano, ter seu dia de horror. Na sexta-feira 17, depois de rezar e dançar por duas horas seguidas num templo localizado em Kanungu, uma aldeia a 360 quilômetros da capital, Kampala, os seguidores do Movimento pela Restauração dos Dez Mandamentos morreram dentro do prédio incendiado. Só dois ou três cadáveres puderam ser identificados. Os restantes transformaram-se numa massa irreconhecível de destroços carbonizados. Contados ao menos 330 corpos, as estimativas indicavam que o número poderia chegar a 600 mortos. A primeira hipótese para explicar a tragédia apontava para um suicídio coletivo. Mas as investigações realizadas durante a semana não descartam a possibilidade de os fiéis terem sido vítimas de um plano macabro.


Dias depois da tragédia, a polícia descobriu a existência de duas covas num terreno que pertence ao Movimento pela Restauração dos Dez Mandamentos. O cemitério clandestino fica a 50 quilômetros do templo da igreja. Da primeira sepultura foram retirados vinte cadáveres. Na segunda, onde o trabalho de exumação ainda prossegue, estima-se que possa haver mais de 140 mortos. A maioria dos cadáveres estava enterrada havia um ano, com marcas de enforcamento e cortes pelo corpo. Se for confirmada a relação entre as duas mortandades, a descoberta reforça a hipótese de assassinato em massa. As investigações detectaram que seis bombas explodiram dentro do templo, que estava com as portas e janelas lacradas. Dias antes da tragédia, os fanáticos foram estimulados pelos líderes da seita a se desfazer de todos os bens, pois iriam encontrar-se com a Virgem Maria na igreja. Esse dinheiro ainda não foi encontrado, assim como os corpos de Credonia Mwerinde e Joseph Kibweteere, que fundaram a seita em 1989. Um padre católico excomungado, Kibweteere, também conhecido como o "profeta", garantia a seus discípulos ter visto a Virgem Maria. Nas previsões, comportava-se como uma Mãe Dinah. Chegou a anunciar o fim do mundo para o dia 31 de dezembro do ano passado. Depois, prorrogou a data do apocalipse para o último dia de 2000. Uma testemunha diz tê-lo visto fugindo com bagagem de mão.

Uganda é um caso de calamidade universal, com altíssimas taxas de pobreza e Aids na população. Entre 1971 e 1979 foi governada pelo sanguinário ditador Idi Amin Dada, responsabilizado pelo assassinato de 500.000 pessoas. O Movimento pela Restauração dos Dez Mandamentos era uma das dezenas de seitas que proliferaram na região nos últimos anos. A principal delas chama-se Resistência Armada do Senhor. Suspeita de crimes como abuso de crianças e assassinatos, a seita tenta tomar o poder para instituir um regime baseado nos dez mandamentos bíblicos. Ao mesmo tempo que procura desvendar o mistério do incêndio do templo em Kanungu, o governo local acordou para o problema e promete varrer do país a praga do fanatismo religioso.

 A promessa era o Reino de Deus. O caminho dos Céus seria em uma arca, que os salvaria do Dia do Juízo Final. Mas os seguidores da seita ugandense Movimento pela Restauração dos Dez Mandamentos entraram na arca do inferno em Kanungu (320 quilômetros a sudoeste da capital Kampala) na manhã da sexta-feira 17. A arca do inferno era um templo com janelas fechadas e portas vedadas que explodiu em chamas queimando pelo menos 530 pessoas, entre elas 78 crianças. As centenas de fiéis cantaram durante horas antes de terem seus corpos embebidos em cerca de 40 litros de ácido sulfúrico misturados a gasolina. A mistura liberou um gás venenoso que matou a todos num incêndio relâmpago e devastador. “Os residentes afirmaram que ouviram alguns gritos, mas tudo foi muito rápido”, afirmou o porta-voz da polícia, Assuman Mugenyei. Esse foi o segundo maior suicídio coletivo da história depois do ocorrido em 1978 na Guiana, onde os seguidores do reverendo Jim Jones levaram 914 pessoas a se imolarem. 

Os corpos carbonizados ficaram irreconhecíveis e os peritos tiveram dificuldade em contar os crânios. Na segunda-feira 20, eles foram sepultados em valas comuns. Christine Kapere perdeu os pais e mais 15 parentes. Ela havia recebido uma carta da mãe a convidando a participar da seita, afirmando que logo todos iriam para o Céu. “Eles foram forçados a ficar. Não eram livres”, disse ela ao ver os cadáveres. Momentos antes da explosão, vizinhos do templo viram alguns seguidores chamando as crianças que brincavam no pátio para dentro da igreja. 

Os líderes do Movimento pela Restauração dos Dez Mandamentos eram Joseph Kibtwetere, 68 anos, e a ex-prostituta Cledonia Mwerinde, 40, também mortos no incêndio. Kibtwetere teve uma trajetória controversa: foi expulso da Igreja Católica, iniciou uma carreira de político frustrado. Nos anos 60, ingressou no católico Partido Democrático, mas foi derrotado nas eleições legislativas de 1980. Aos seus fiéis, o ex-católico dizia que possuía uma fita gravada com um diálogo entre Jesus e Nossa Senhora. Na gravação, a Virgem Maria anunciava que o mundo seria destruído porque as pessoas não estavam seguindo os Dez Mandamentos. Entre os poucos objetos que resistiram às chamas, estavam imagens de Nossa Senhora e Jesus Cristo. 

A seita foi formada pouco depois da derrota eleitoral de Kibtwetere, com regras muito severas. Os participantes eram proibidos de ter relações sexuais e, quando não estavam orando no templo, comunicavam-se apenas com gestos. Os moradores de Kanungu disseram à polícia que os seguidores pareciam pacíficos, mas na verdade pouco conheciam sobre seus preceitos, porque os contatos que tinham com eles eram apenas comerciais. 
Os líderes da seita, que também incluem padres e freiras excomungados, parecem ter planejado o suicídio coletivo em detalhes. Dois dias antes da matança, os fiéis entregaram todos seus pertences e dinheiro numa cerimônia. Depois despediram-se dos parentes e amigos. “Eles sabiam que iriam morrer no dia 17 porque a Virgem Maria havia prometido aparecer de manhã para transportá-los ao Céus”, afirmou uma moradora. Um ex-padre comprou os 40 litros de ácido e os estocou na igreja. Na arca do inferno estavam seguidores de vários pontos de Uganda.

Fiéis acreditavam que a virgem maria iria levá-los ao céu

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