sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Febrônio Índio do Brasil - O 'Filho da Luz'


Uma das mais ilustres e assustadoras figuras da primeira metade do século XX. Frequentou delegacias, presídios, hospitais psiquiátricos e deu entrevistas. Promíscuo, golpista, vadio e excêntrico. Louco. Matou, estuprou e dançou nu todo pintado de amarelo no morro do Corcovado. Autodenominava-se “Filho da Luz” e marcava os corpos dos “escolhidos”. Febrônio Ferreira de Mattos, o “Febrônio Índio do Brasil”, também serviu como versão do “bicho-papão” e escreveu um livro que virou filme.


Febrônio, antes de tudo, era um louco, logo em seguida criminoso. Teve diversas passagens pela delegacia, fora preso inúmeras vezes e fugiu outras tantas. Ainda jovem, na década de 1920, sonhou que uma mulher de longos cabelos loiros teria lhe chamado de “Filho da Luz” e professado que teria um dever a ser cumprido. Escreveu um livro “religioso” — O Príncipe do Fogo — repleto de passagens incompreensíveis que se tornou filme décadas depois (1984). Febrônio, alegando que Deus estava vivo, começou a marcar as iniciais “D C V X V I” (que significaria “Deus, Caridade, Virtude, Santidade, Vida, Ímã da vida”) nos corpos de suas vítimas (garotos jovens) estuprando-os e matando-os. Dizia que essas marcas funcionariam como um talismã de proteção. Prometia emprego às suas vítimas atraindo-as para pôr em prática seus desvarios.

“Dançou completamente nu e com o corpo pintado de amarelo, na frente de uma criança aterrorizada que estava amarrada ao tronco de uma árvore. Neste mesmo dia, mais cedo, havia sido flagrado cozinhando, na casa em que era inquilino, uma cabeça humana furtada do Cemitério do Caju.”

Também surtiu efeito como uma lenda para assustar as crianças que se comportavam mal. Semelhante à lenda do Bicho-Papão, Febrônio era invocado pelos pais com a finalidade assustadora de fazer com que seus filhos se comportassem.

Incapaz de viver em sociedade ou em harmonia com os presos (que também estuprou e matou), Febrônio Ferreira de Mattos passou grande parte da sua vida na solitária vindo ao morrer 89 anos de idade em avançado estado senil, em 1984, depois de contabilizar 57 anos preso.

Ao viver uma vida repleta de histórias intrigantes, mesmo que macabras, Febrônio Índio do Brasil deixou um legado que influenciou diversos artistas e intelectuais das mais variadas áreas. Legado que pode ser verificado na literatura (nacional e estrangeira) e na música, no teatro e cinema, como também na psicologia, antropologia e no direito, mas, sobretudo, no imaginário coletivo.

Segundo as pesquisas, inspirou a marchinha de Carnaval “Eu fui o mato, crioula”, de José Gomes Júnior. Parte desta canção conta sobre onde Febrônio costumava estuprar e matar suas vítimas — áreas descampadas e por estrangulamento com auxílio de cipó.

 No final dos anos 20, depois de uma visão mística, Febrônio tornou-se um profeta. Evangelizador de uma religião própria que pregava a existência do Deus-Vivo. Sua missão, de acordo com as ordens de uma santa loura que apareceu em sua visão, era “escrever um livro e marcar os jovens eleitos com as letras D.C. V.X. V.I., tatuagem que é o símbolo do Deus- Vivo, ainda que com o emprego da violência!”. Febrônio escreveu o livro, "Revelações do Príncipe do Fogo", onde descrevia prolixamente esta religião, que ele próprio mandou imprimir e vendia de mão em mão. Com prosa apocalíptica e tumultuada, inspirou modernistas como o brasileiro Mário de Andrade e o francês Blaise Cendrars, que escreveram sobre ele. 

Todos os exemplares dos livros foram queimados pela polícia federal logo após sua prisão. Em trechos do livro, publicados num jornal carioca, podia-se ver a fúria de suas palavras místicas. No julgamento, o advogado Letácio Jansen, solicitou sua internação "numa casa de loucos onde haja a devida segurança e precisa vigilância". Com sua insanidade sendo atestada pelo perito Heitor Carrilho, o juiz Ary de Azevedo o considerou inimputável. 

Depois de assassinar e tatuar quase uma dezena de jovens, Febrônio foi para um manicômio. No hospício, inicialmente Febrônio tentou reduzir sua pena, reivindicar a soltura em petições a juízes ou obter transferência para a Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá. Tinha como objetivo fugir, o que conseguiu em 1935, mas sua sorte durou pouco, sendo recapturado após somente um dia de liberdade. Após isso, entrou em processo de demência. O médico Heitor Carrilho (que hoje empresta o nome ao hospício) ficou de dezembro de 1927 a janeiro de 1929 examinando o "louco moral e homossexual com impulsões sádicas", solicitando depois sua "segragação ad vitam (enquanto vivo)". 

Num laudo de trinta e quatro folhas, determinou o sepultamento em vida do homem que, a partir de 1936, foi esquecido, passando longos períodos na solitária. Em junho de 1984 foi lançado o curta-metragem "O Príncipe do Fogo", de Sílvio Da-Rin, tendo Febrônio como tema. Dois meses depois, aos 89 anos e completamente senil, o preso mais antigo do Brasil, interno número 000001 do Manicômio Judiciário, morreu de edema pulmonar agudo. Havia passado 57 anos no hospício.